Silencioso o sêmen
reflui do corpo
enquanto a respiração
e o sangue retomam
o ritmo e as gotículas
de suor tornam-se frias

Harmonizo os revoltos
lençóis e cubro
nossa penumbra

Doce declínio que
não sugere a morte
mas um violento
apego à vida
I

Árvores noturnas
são densa nódoa
ocultam o silêncio
dos pássaros

à mesma hora
estão meus olhos
submersos em mim

II

O amanhecer 
lança luz
revela a
colorida nudez

até ensaio
breve canto
louvando
a beleza
esquecido dos dias
de abissal profundidade 
quando não sabemos
se há sol ou lua
sobre nossas cabeças
   Órbitas subitamente tornam-se uma súplica líquida. Na maneira como arfa o peito, leio o sincero desespero. Rumoroso o ar percorre o corpo, animal em fuga pela densa selva. 
   Pensei em pousar sobre as pálpebras minha acesa piedade. Mas não sou um homem bom, apenas compreendo o peso do medo sobre os ossos, impondo a imobilidade. Embora silencie, não aquiesço o crime. Na carne levarei oculto o dilema: lâmina sempre a lembrar sua onipresença.
   Pensei em pousar sobre as pálpebras minha acesa piedade. Mas para merecer o adjetivo de piedoso, precisaria derramar copioso pranto sobre todo antigo sangue que contemplei com olhar incólume como as negras vidraças dos edifícios de escritórios, que contemplam o céu sem comover-se com o belo cardume de nuvens e os homens que fluem sob seus cílios.
   
recostado à sombra
de uma árvore
silhueta de nuvens
navegam os olhos

poeta eremita oriental?
poeta andarilho beat?

apenas alguém
em sua sesta
intervalo do almoço
numa calçada qualquer

A alma amanhece
cortina em chamas

olhos líquidos
lançam-se ao encontro
em vão o vento
arremessa a chuva
contra os vidros
olhos líquidos
são espelho
para o incêndio

A alma amanhece
cortina em chamas

acenda cigarros nela
queime papéis velhos
ou apenas contemple
a dança das labaredas
Todo passo seguinte estará desamparado. Escritas na superfície dos olhos as luzes outonais da orfandade. Sapatos vazios aos pés da cama, recusa em calçar qualquer destino tátil. Palavras de conforto não proporcionam um alívio duradouro. Vislumbre a chaga acesa e compreenda a brevidade dos bálsamos, porque de agora em diante o percurso será percorrido por passos desamparados.
Todas podres
não há dúvidas
o corpo das frutas
não oculta
estarem
totalmente
podres:

aroma aceso
cores noturnas
inapetência
moscas ao redor

O próprio açúcar
fora a essência solar
agora dissolve a carne

Fora do poema ninguém
vê o apodrecer insepulto
das frutas sobre o cesto

Todas podres
não há dúvidas
a fruta não oculta

Vê-las negras
traz o alívio:
encobrindo ossos
alma desejos
há uma pele
ilegível
A luz declina. Cores tornam-se amenas. 
Tons mais escuros tingem o fim de tarde. 
Sombras sobre o grande gramado, 
os bancos de pedra, as crianças 
foram para casa, o parque cala.

Dentro do corpo 
soa em segredo
um nome aceso

O azul esmaece

transpassa-o
a negra silhueta
dos pássaro

Tivesse os olhos limpos

Tivesse o coração vazio
Houvesse silêncio em si
contemplaria o voo

Mas há o nome em chamas

Há a memória insone


Límpido céu:
a lâmina reluz
todo brilho de
forma brusca

olhos buscam

uma luz amena

Horizonte ao crepúsculo:

a lâmina emerge rubra
ungida pelo morno fluxo

para longe parte o olhar

evitando os signos fixos 

A lâmina é visível e tátil
mas é vã tentativa
desviar os olhos e a carne

A lâmina é também pensamento.

A tempestade
aproxima o céu

chapéu sonoro

uso-o: elegante e louco
como Bill Burroughs


difícil suavidade:
nada simples
desenvolvê-la

sob a leveza
bailarina: suor
ossos lapidados

sua 
vida
de 
severa
disciplina

ainda assim
passos apunhalam
as ruas


a alma nua
passará
entre
pássaros
sem dissipá-los




as cores
perpassam
o espaço
que separa
a paisagem
do nervo óptico

as cores 
dançam como
línguas de fogo

Van Gogh se afoga
olhos acesos
buscam a superfície

submersas 
as cores
calam

ouça a experiência
da ânfora sem
uma orelha
que fora
lançada ao mar

as cores
dançam como 
línguas de fogo:

teu corpo
campo de tulipas
tua nudez
sob a luz
holandesa




a água 
acha 
uma brecha

os ossos mofam

palavras empoçam

o corpo se cala
na úmida quietude

liquefaz-se: um lago
superficialmente calmo

a água
acha 
uma brecha

a condição submarina
pode ser lida
nos olhos

do escuro silêncio
nas árvores
amanhecem pássaros

os anjos desolados
já não ouvem
apenas as 
próprias 
súplicas
 o galho
acena
solitário

rememoro
a recente
despedida

pensamentos
em mim
são raízes
não folhas
ao vento
passos sonoros
sobre folhas
secas

regresso 
em silêncio
chove lento
nenhum rumor
chão molhado

a palavra: treva
já não traduz 
a noite outras 
recendem

leio no simples
aroma uma verdade
insuportável aos ossos

varanda do quarto andar
debruço-me sobre 
olor

nuvens rosas
levitam no azul
que declina

as horas extremas
oferecem cores acesas

quantas auroras
e crepúsculos
até os olhos
emergirem de si
assombrando-se
com a beleza?
dizer azul
silencioso
lembra lábios 
naufragados

contemplar 
a dúvida
no azul
sem nuvens

olhos mudos
e perplexos
colhem no inferno
um azul tão limpo
intraduzível

o olhar à deriva
aderna sobre
uma chama azul

mas a memória
arde em cores vivas

o duplo percurso
corpo e palavra
segue a sagrada senda
ao signo
breve
intenso

ascende
não alto o suficiente
para que a terra seja azul
nem tão baixo para que
a queda
nada
signifique
   Artigo publicado no Correio das Artes, Paraíba, conforme nos informa o Prof° Dr° João Adalberto Campato Jr, suplemento cultural mais antigo em atividade no país. Novamente demonstro minha satisfação pelo reconhecimento e atenção dada à minha poesia, mas para não cair na pieguice, me limito a um simplório, porém sincero agradecimento. Eis as imagens do artigo publicado:






a memória:
forma áspera
bruta arestas
agudas afiladas

reescrevê-la não é ato
que dependa do solitário
desejo de mover-se 
além da inércia:
emergir do próprio crânio


o tempo flui sobre

soa ininterrupto mantra
discurso líquido contra
as pedras do leito
das margens do corpo
apaziguando a matéria

demora até rio e rocha
resumirem-se em um
rumor translúcido




fita de seda
rosa
separa o lido
do que será

sem cerimônia
montanha de livros
no chão da sala
haikus
de Kerouac
no cume