destoam

o peso
das pálpebras

a leveza
das libélulas

destoam

o peso
da alma
oscila

soaria suave
em versos japoneses
viver a voragem

se analogias
à alternância
das estações

ao martelar
das marés
sobre a orla

traduzissem
como

o peso
da alma 
oscila

Feri Federico
conduzi a
afilada metáfora
pela pele lunar

Havia neve 
em Nova Iorque

Um menino
tremendo de frio
trouxe a agulha
e delicadamente
reescreveu-se
a fissura

Apenas a poesia
saberá ouvir
o ciciar
das cicatrizes
Sede vós
porta voz
dos condenados
à sede

Vossa sede
erguei no deserto

Seja a boca
ressequida
insígnia

Ensinai
às crianças
o paraíso
é líquido
a brisa
divino sopro
abranda a febre
dos bons
de coração



Recebo com muita felicidade a data de lançamento da Antologia Poética 29 de Abril O Verso da Violência. Sinto muito orgulho de ter sido selecionado para participar com um poema. Eis as informações sobre a Antologia Poética:

poesia
adelaide do julinho + ademir demarchi + adriane garcia + albertina laufer + ale safra + alex dias + alvaro posselt + amanda vital + angel cabeza + antônio lazzuli + assis de mello + beatriz bajo + camillo josé + carla diacov + carlos alberto muzille + carlos eduardo bonfá + carvalho junior + cel bentin + claudio daniel + donny correia + ellen maria + fabiana motta + felipe magnus + fernanda fatureto + gabriel felipe jacomel + geraldo witeze jr. + greta benitez + gustavo petter + helvio campos + homero gomes + ikaRo maxX + isabela romeiro vannucchi + ivan justen santana + josé aloise bahia + josé antônio cavalcanti + jovino machado + jr. bellé + leonardo chioda + líria porto + lisa alves + lívio oliveira + lubi prates + luciana cañete + luiz roberto guedes + maíra ferreira + marcelo adifa + marcelo ariel + marcelo de angelis + marcelo sandmann + marcelo vieira ribeiro + marco aurélio de souza + mariza lourenço + micheliny verunschk + miriam adelman + norma de souza lopes + nuno rau + nydia bonetti + pablo morenno + priscila merizzio + ricardo aleixo + ricardo escudeiro + ricardo silvestrin + robisson albuquerque-sete + ronald augusto + rosane carneiro + samantha abreu + sérgio fantini + silvana guimarães + stefanni marion + tarso de melo + tere tavares + thiago dominoni + thiago ponce de moraes + vasco cavalcante + waldo motta + wender montenegro + william zeytounlian + yuria santamaria pismel + ziul serip

apresentação/antologia
daniel faria

apresentação/depoimentos
célia musilli

depoimentos
alice ruiz + amabilis de jesus + caetano zaganini filho + christine vianna + claudio de assis da cunha + francis de lima aguiar + francisco soares neto + ícaro moura + josé melquíades ursi + rafael kenji kuriyama + sérgio daguano + thiago dominoni

fotografia
brunno covello + lina faria

diagramação/projeto gráfico
bruno palma e silva

colaboração
lubi prates

organização

domenico a. coiro + mar becker + priscila merizzio + silvana guimarães
Horizonte de edifícios
antecipa o poente
em cinco minutos
e torna curto
o voo dos olhos
Os cágados sobre as rochas
as corolas ao redor do lago
estão cagando para a década
de convívio com o câncer

Descanse em paz
dizem todos ao cadáver

A criança no banheiro
diante do espelho
indaga os olhos secos
Não chorar no enterro
constitui um crime

Ninguém consolou
com a analogia da luta 
contra a doença
ser uma Odisseia
Por que não houve regresso
ou não leram Homero?
Certamente leram
a literatura clássica
durante seus estudos
os da família que
abandonaram o
monastério por
uma vocação maior

o amor
de carne
e osso




o toque
percorre
morno

não abranda
como as chamas
não perde a febre
como o esperma
sobre a pele

atravessa a treva
farol vigiando
a superfície inquieta

tão aceso
quanto
uma gota
de sangue

sob o toque
compreendes
a palavra silente


a cena: acena
mão hasteada
o mais alto possível
farrapo desbotado
testemunha ventos
tempestades sol a pino
que a inquietaram

o aceno se sustenta
o tempo que pode
à superfície: esperança
dos afogados

com violência afaga
o ar até as forças
pousarem: pássaros
convocados pelo crepúsculo

carrega-se aceso
nos olhos o aceno
não despertara súbito
sendo um inseto
como Gregor ou
outra criatura intraduzível
a não ser pelo espanto
e pelo espasmo
que poderia também
habitar a alma 
de Kafka

foram décadas
de lenta 
e gradual
metamorfose

não está certo de
ter alçado ao cume
talvez o ápice
seja não restar

um só
coração
incólume


A iluminação ininterrupta do estacionamento, nega ao quarto a escuridão absoluta. Rápido o olhar habitua-se à penumbra, lê a silhueta dos objetos. A luz esgueira-se pelas fissuras da janela fechada, desenha formas no teto. Deitado de bruços, os olhos abertos para a estranha constelação. 
Da memória emergem imagens impiedosas. Meu nome deve ser silenciado na garganta dos que me amam, embora no coração siga insone. Meu nome é indigno de ser dito durante as refeições. Eis as cicatrizes que a noite inscreve. 
na mitologia grega
a amoreira
bebeu o sangue
dos amantes mortos

talvez as beterrabas
tenham sorvido
o dos poetas
ainda vivos

ou seja romântico
vê-lo aceso
sobre o silêncio
das raízes
sobre o sono
dos ossos

a musa virá jantar e trará vinho
o poeta corta os legumes para a salada
beterrabas deixam os dedos rubros

vermelha pelo sumo a pele 
assemelha-se a um símbolo socialista




colher conhecimentos em
coabitar com os insetos

humildes quereres
comparados aos 
desmedidos
dos humanos

acaso a vontade voraz
seja inerente aos homens
como os hábitos despojados
naturais aos insetos

uma espécie de desesperança
avança sobre o poema

Escrevesse aos incrédulos
as palavras na carta
diriam do futuro turvo
semelhante ao tempo
que flui hoje 
diante dos olhos

Fazeis bem
em estender
a sombra da dúvida
diferente daqueles
que agora acusamos
foram cegos

Inclusive sobre
esta minha correspondência
mantende a desconfiança
ficai atentos





Pouso em ti dois pássaros feridos
Acolhe-os. Os olhos oferecem abrigo
Sustentamos o olhar
Um instante; Ínfimo; Intenso

Tempo suficiente para leres:
não será breve a convalescença das asas

Um instante; Ínfimo; Intenso

Tempo suficiente para a verde íris
verter a piedosa beleza: vela acesa
consumindo-se diante dos lábios
que silenciosos oram pela vida das asas

Um instante; Ínfimo; Intenso

A veloz queda das pálpebras
decapita-o com a destreza
samurai das mãos que empunham
a lâmina e concluem o seppuku




Van Gogh, Vaso de Lírios sobre um fundo amarelo

Flores adornam

o que há de incomum
nos olhos que leem
o lento declínio
imperceptível sob
o viço das pétalas?

Vaso com flores

o que há de incomum
na língua que o compreende
aceso sobre a superfície
lunar do mármore?

Poucas corolas 
emersas do vaso
diferem dos afogados
pela serenidade

O vaso com as flores
marca o centro
intuitivo da mesa
Importa a beleza
não a exatidão
matemática do pouso

a louca de olhos claros 
mostra à criança 
o gato morto

a louca balançou a cabeça 
de um lado a outro
encenando como o cão 
faz para matar o gato

a louca de olhos claros 
e pele pálida 
descendente de poloneses

em casa a criança reencena 
os gestos do cão matando gato

a cama da criança tem 
bandeirinhas de países
coladas na cabeceira 
entre elas a da união soviética

a criança sabe que a louca 
é o cão sacudindo entre os caninos 
o cadáver do gato
acima da praça
nuvens cinza
nada dizem
sobre tempestades
próximas

coreto quieto
ipês despetalando-se
poucos pássaros

sem tristeza
os passos leem
a manhã 
de inverno

a cabeça veste
lembranças

elegante chapéu
de feltro escuro

  Imerso na manhã de inverno. Lavar louça sugere imagens frias. Por exemplo, imensas geleiras guardam águas antigas, inacessíveis aos lábios ressequidos, à garganta sedenta. Lembro alertarem à criança para agasalhar-se bem contra o frio cortante. Imerso na manhã de inverno. Agrada pensar as mãos apunhaladas pelo fluxo que sai da torneira. Afoito em lavar logo para tornar a ler. A pia pouco cheia: taças de vinho, duas, pratos grandes e de sobremesa, quatro, talheres, oito. 
  A poesia, águas turvas mas não impuras. Nela ouvistes o ritmo das marés; o rumor da urina densa pelo sêmen; serviram de espelho para a lua; conduziram navios; sepultaram afogados. 
  Imerso na manhã de inverno. Lida horas antes uma obra sobre a Idade Média. Acaso no futuro publique alguns poemas, o título do livro será Leprosário.  
Roberto Bolaño


PARA EDNA LIEBERMAN

Disse o saltimbanco das Ramblas:
Esse é o Deserto.

Aqui onde as amantes judias
abandonam seus amantes.

Recordo que me amaste e odiaste
logo que encontrei-me  sozinho no Deserto.

Disse o saltimbanco: este é o Deserto.
O lugar onde se fazem os poemas.

Meu país.





PARA EDNA LIEBERMAN

Dice el saltimbanqui de las Ramblas:
Este es el Desierto.

Es aquí donde las amantes judías
Dejan a sus amantes.

Y recuerdo que me amaste y odiaste
luego me encontré solo en el Desierto.

Dice el Saltimbanqui: éste es el Desierto.
El lugar donde se hacen los poemas.

Mi país.






Poema publicado na obra La Universidad Desconocida.

Link Para ler sobre Edna Lieberman: http://diario.latercera.com/2011/12/11/01/contenido/cultura-entretencion/30-93598-9-edna-lieberman-la-mujer-de-ojos-terribles-que-roberto-bolano-nunca-olvido.shtml

li em um ensaio
crias na ressurreição
não a religiosa
mas produto
do intelecto humano
graças às teorias 
de einstein e tal

talvez por isso
não julgavas definitivo
dar-se um tiro na têmpora
ou sabia sê-lo, não sei
selando a marcha
dos pés exaustos 
e desiludidos

passado o tempo
ruíram os ideais
quase todos

porém ressurges
quando leio os versos
e me fazes pensar 
a relação
com a poesia
com o suicídio

não importa
se o poema soe
carta à maiakovski
ou sejam entrevistas
as impiedosas pétalas
que colhi do jardim
cultivado em silêncio

importam as palavras
somente as palavras:
serem sempre sementes 

Mal aqueço a mim mesmo. Embora o inverno não seja severo onde habito e a lã pouco puída. Mas o gato permanece próximo, assemelhando-se a uma serpente enrodilhada. Mal aqueço a mim mesmo, não porque use velhos agasalhos ou não tenha religião. 

Não me ilude a intensidade das chamas. Sei de sua brevidade. 

Se meus olhos tivessem o negrume luzidio dos insetos, o gato cruelmente brincaria com eles até causar-me a cegueira. Isso de algum modo me redimiria. Talvez eu não seja tão mal, o gato adormece sereno sobre meu colo.