Última ceia obra de Andy Warhol.

cristo pop
chagas em neon
apaga acende
cruz fluorescente
corpo de plástico 
translúcido
como as chamas
cristo pop
acende apaga
acende entre
as trevas da alma




o poema no meio

do livro espesso

poesias reunidas

eclode a exclamação

poemaço! Precisa

ser lido diariamente

(não como oração

mas devorado

é alimento)

para não 

o perder de vista

improvisa-se um

marcador de página

serve o retalho

um palmo mais ou menos

da fita de cetim azul celeste

o nó simples na ponta

impede que naufrague

então o poema pode

ser lido e relido

sequência digna

de analogias

com o pugilismo
lançado o cigarro
com ainda meio
centímetro de tabaco
queimando solitário
o fundo escuro do
asfalto ressalta
a fina fumaça branca
ascendendo em espiral
dedos o recolhem
com tamanho zelo
o verbo colher
traduz melhor
a beleza do ato
que antecede as
duas profundas
tragadas dadas
como se emergisse
em busca de fôlego
da metáfora mar
de gente onde
todos são anônimos
mas a indigência
é o anonimato mais
profundo até abissal
então encontrar uma
ponta de cigarro
é precioso
para quem
naufragará de novo
ao próximo passo
na metáfora
mar de gente

   Estão ainda deitados na penumbra. A luz do estacionamento esgueira-se pela mínima brecha da janela, impedindo a escuridão absoluta. No quarto, legível a silhueta dos móveis, noite verdadeira, treva, intransponível aos olhos. Ainda deitados, sentindo a respiração arrefecendo. O peito estendendo-se até o limite pela necessidade de ar, e descendo lentamente. A pele coberta pelas gotículas de suor, não escorriam, eram corolas afloradas sobre os poros. O tempo flui imperceptível.
   Ele mantém o olhar no teto, vendo sem querer desvendar as sombras projetadas, não importa a que desenho assemelham-se, gosta de compreendê-las como formas se dissolvendo, a rigidez dos ângulos domesticadas. Ela sente o sêmen refluir dentro do corpo. O líquido morno percorrendo o caminho inverso, lento, sem a urgência com que jorrara o mais fundo que pôde. Ele sente seu pau ainda intumescido, se levantasse da cama, agora estaria ainda ereto. Ai, vou tomar um banho. Ela exclama antes de beijá-lo no rosto, que permanece até ouvir o som da água o despertar da imobilidade.
   Na última vez que trepamos, dormi sem fazer a oração diária, como se a vida não pesasse sobre os pensamentos.

  
Espectros não arrastam os pés
Não calçam o par de all star surrado
Espectros não tem contato físico com a superfície

Enleado nos poemas que li piso o percurso
O estudo das texturas ensina onde 
o passo deve pousar suave 
onde pode se entregar mas nem por isso
o passante escreve publica enriquece entra
para a lista dos dez mais com um livro
de autoajuda sobre a arte de caminhar
Os sete dos alcoólicos dos narcóticos
é tanto passo certo prescrito: olhe
onde pisa e também o pisar em ovos
o passo em falso os passos da dança
o passo a passo das receitas dos manuais 
Cada um pise os próprios
É bom estar bem próximo 
ao rés do chão enleado 
aos poemas que li
consciente da estrutura óssea
muscular verbal que me conduz
pelas ruas pensando a palavra espectro
acolhendo seus ecos em outras
excitado pela indocilidade
da poesia
que não tem passo a passo

Reorganização sintática (e moral)

de algum modo imaculado
de modo algum imaculado

ao primeiro sopro
revoam em bando
pânico de asas
soa em uníssono
o uivo das árvores
os longos cabelos
que açoitam a tarde

olhos ocos
nenhum pássaro
restou sob
tuas pálpebras

         *

os mais velhos
transmitem os
significados
dos ventos
cada direção
sopra um
presságio

       *

na infância asmática
aprende-se que
a raiz grega 
da palavra alma 
é pneuma e também
significa respiração
a escola ensina
pneu é abreviatura
de pneumático
a sua maneira
o aluno compreende
quão foda é o poema 
pneumotórax
do manuel bandeira
ainda uma pneumonia
antes da adolescência
soprando trombone de vara
e sonhando a tuberculose
do século dezenove

              *

o vento varre
verdades erguidas
somo esse sopro
ao fôlego do poema



Os afogados
reúnem-se
em cardumes

Pela palavra
investigar a 
reação do corpo
à beleza desoladora


O primeiro esforço
é não ruir sobre si
como a onda um
passo além do ápice

Após noites seguidas
emergindo de 
pesadelos
com asfixia
Compreender
nadar para
longe do naufrágio
buscar a margem
é frágil salvação

Natural  a sede
por alguma remissão
Cogitar associar-se
aos que militam
pela preservação
das baleias
Fumar baseados
embarcado próximo
ao oceano ártico
com a tripulação babel
Registrar no
diário de bordo
Mishima Bashô
samurais de Kurosawa
mangakas underground
cerejeiras floridas
nem todo japonês
caça baleias

Pela palavra
conhecer a re
ação do corpo
à desoladora
beleza: ao
enredar-se
nos ossos
há que
ouvi-la
ecoar
os afogados