Palavra alguma
dos meus lábios
Amanhecer in
suficiente para
despertar pássaros

Com um amigo
ex-monge beneditino
conversamos sobre
o voto de silêncio
Concordamos que
a superfície é muda
mas dentro palavras
não se aquietam
sobretudo nos poetas

Eu agora calado
estranho prazer
em pensar: os lábios
calam o declínio
dos dentes por
ser filho dileto
jesus cristo teria
todos os dentes
aos trinta e três?
Agrada-me a imagem
dos caninos pelo
vínculo mantido
com os grandes
e pequenos
predadores

Outro fôlego:
recordo uma lição
aprendida na infância
a intensidade do sopro
para despetalar com
maior beleza
o dente-de-leão


Vínculo: vinco. Linha traçada a nanquim. Avesso das palavras acesas. Olhos buscam o silêncio do traço negro. Fosse palavra sobre a página soaria. O vínculo: um vinco. Espécie de cicatriz escrita na superfície lunar. Outro lugar não oferece repouso à língua tonta de tanta luz. O objeto já não deve ser descrito como intacto. A verdade das mãos. O ato necessário para criar o vínculo. O golpe que inscreve o vinco.
Tente  instante intacto. Sustente as pálpebras. Aguente firme sem piscar. Atente. Atenção total. Animal (in)quieto. Não é fácil capturar o momento exato em que a metáfora eclode. Então olhos abertos sobre os meus. Ininterrupto. A erupção: palavras recém conectadas erigem-se à superfície. A metáfora é indócil, pode soar desconexa, difícil ao olhar cotidiano. Então olhos abertos sobre os meus. Debruçados no parapeito flertam a queda. Impostante perceber e registrar as reações orgânicas: alterações nas pupilas, íris, globo ocular. Assim como sabemos quem chorou escondido, está chapado ou triste. Assim como lemos a loucura, a paixão. Anotar tudo antes que os olhos fechem-se sobre as imagens do tipo: o cardume de afogados fere a quietude azul.
vento forte
movimenta 
as folhas

aquém 
dos vidros
olhos leem
a mímica
das árvores

a dúvida:
há fôlego
suficiente
para gritar
a palavra
pássaro
até aquele
galho mais
distante?

uma só
janela
aberta
já é sopro
e rumor
contra o
silêncio